quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Dia Nublado

O sol não parece ter nascido hoje.
Hoje não parece ter acordado a rainha dos seus domínios, domínios de longe e alto alcance, terras de cultivo fartas e verdejantes que constantemente contrastam com o céu.
O céu que hoje está tão escuro como terra profunda revirada pela foice.
Não há pássaro que cante , galo que levante ou corvo que agoire.
Sente-se a inercia no ar pesado e húmido. Força as pestanas a colar e a melar.

O quarto está abafado mas não tanto que não se possa respirar, aconchegado e viciado misturado com sonhos ora deliciosos ora maliciosos, troca entre os pesadelos e os desejos quando estes se tornam intensos demais.
O rei sonha com conquistas em outros mundos, o seu pajem sonha com outros desejos, o ministro sonha com as arábias, a rainha não sonha.
A rainha não consegue sonhar, não consegue ficar totalmente consciente, como se de coma tratasse.
A meio da noite a rainha perdeu o seu reino, perdeu o seu príncipe, perdeu a esperança, perdeu a vontade e ficou com o medo. Ficou com a paisagem que hoje reina sobre o seu reino, apenas isso visualizava, apenas isso e nem isso conseguia discernir muito bem. Sentia-se cá e lá, drogada, ensonada, sem forças, parecia que não se conseguia mover se tivesse movimento algum.

Por ironia o desconhecido mandou mais uma surpresa, um viajante passa naquela cidade com maneiras de descansar de uma peregrinação á vida. O seu desejo era conhecer outras terras, outros lares e maneiras de viver.
Encontrou a vila dormente e assim que entrou sentiu-se cansado. Não sentiu nada de estranho, tinha sido uma viagem longa e atribulada com a chuva do norte. As nuvens seguiam-lhe o caminho e por fim mais rápido que ele, fugiram para parar naquele local. De facto tinha cessado o vento e ficou uma humidade doentia a pairar por ali.
Mesmo assim deu uma volta pela cidade não achando ninguém nas ruas apenas os animais. que estavam sossegados na praça publica ou encostados nas estradas, todos poeirentos e sem nexo, simplesmente estando por ali.
A estalagem que o acomodou não tinha recepção, na entrada alguns dormiam nas cadeiras no bar dormiam sobre o balcão, alguns nem na cama estavam a dormir, estavam no chão...
Mas que praga deve ser esta!, pensou, nunca vi nada assim. Mas ao passo que ficava intrigado e assustado também ficava ensonado.
Tentou sair do lugar o mais rápido que conseguia. sentia-se cada vez mais cansado, largou a espada, largou a mala, largou a capa mas esmoreceu pouco depois da entrada da cidade e começou a ficar quente e com os olhos colados e os membros sem força, forçado a dormir.
Mas os sonhos deste eram grandes e poderosos e sonhou como nunca tinha sonhado e por sítios onde não tinha passado.
Sonhou com uma rainha que não conseguia mexer-se e que olhava para ele como se tratasse de uma parede. Ele tentava falar com ela mas ela não lhe respondia. Sentiu que ela estava presa mas não a ouvia falar e sabia o que ela queria. sentia que estava com o tempo a acabar e quanto mais se aproximava dela para a puxar da sala onde estava mais longe o chão parecia. Tudo o que ele conseguia ver estava a ficar escuro. Ele já não a conseguia puxar, já não tinha alcance e ela sem querer querendo deu um passo em frente e depois outro e agarrou a mão dele e ele puxou levemente ao que o quarto foi arrastado num ápice para longe deles e ele soltou a mão e foi arrastado para dentro do quarto onde ela tivera estado, desaparecendo.

Ela acordou devagar e estava no meio das ervas molhadas. E todos os outros conseguiram acordar e continuaram sem perceber o que tinha sucedido. Ela corre até ao palácio, tenta abrir as portas do seu quarto e não consegue. Muitos outros tentam e não conseguem.
durante muitos anos O reino continuou bem sucedido porque a lenda ter-se ia espalhado e mutado criando uma sombra de protecção sobre o sitio.
Até o dia em que foi atacada e o palácio abandonado e a porta deixada em paz e o murmúrio silenciado.

Um dia novamente nublado a porta abriu-se e ninguém assistiu ao homem cansado, velho e barbudo que viajara mais do que alguém alguma vez viajou e mais sábio do que alguém alguma vez tentou, conseguindo ficar vivo durante todo aquele tempo sonhando, por fim descansar no sono no qual todos finalmente descansam olhando pela ultima vez a mesma paisagem do ínicio.

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