terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Viagem a marte (I)

Viajar dá trabalho. Não é só uma questão de realmente chegar lá. Raras vezes terás de despender tu próprio o esforço físico total que te levará a chegar a algum lado. Especialmente hoje em dia, andar a pé tornou-se algo que as pessoas apenas efectuam quando não querem sair do mesmo sítio. Isto é, para os fundamentalistas, aqueles malucos que acham que as incubadoras eléctro-musculares são "desnaturais".

Não há nada desnatural em querer ter um corpo perfeito com o mínimo esforço. O facto de todos terem um corpo perfeito não significa que sejam todos iguais. Ser careca não é defeito, o defeito é não poder deixar de ser careca. Hoje em dia qualquer cabeleireiro pode implantar ou desarraigar da epiderme uma variedade - em cor, tamanho e feitio - de pilosidades naturais, incubadas em laboratório.

Mas andar na rua, isso estaria fora de questão. Mesmo que colocássemos de parte as dificuldades fisiológicas (a parafernália de equipamentos, a quantidade de testes e vacinas para sobreviver nesse ambiente hostil de alta radiação e doenças propagadas pelos micro-mutantes, sem falar na dificuldade que teríamos em obter permissão das autoridades, e o facto de que duvido que hajam saídas funcionais para a atmosfera, etc..) quem quereria sair para a rua? O que poderia pensar ganhar com isso que não a terminação antecipada da sua existência e o reprovar de toda uma sociedade.

Viajar dá trabalho porque requer preparação. Seria de esperar que com todas as revoluções que a indústria pessoal de materialização trouxe, a quantidade de objectos que chamamos nossos tendesse a diminuir. Pura ilusão. Se é verdade que podemos gravar as características de certos objectos e reproduzi-los noutros lugares na perfeição (meu Deus, como seria possível viajar de outra forma?), a verdade é que isso apenas aumentou exponencialmente a quantidade de objectos de que dispomos no dia-a-dia. Invejo aquelas criaturas que conseguem abdicar completamente do armazenamento de objectos, criando e desfazendo-se deles consoante a necessidade. No entanto, quem poderia fazer semelhante coisa a não ser que fosse extremamente rico? Sem falar na pegada energética que estaria a gerar, pois a síntese espontânea é muito exigente energeticamente, e todos sabemos que as fontes de energia renovável são limitadas.

Não, nem mesmo os ricos abdicam do armazenamento de matéria, por muita energia que possam comprar. A quantidade de bens que depositamos no servidor central não podem substituir os objectos que realmente possuímos, que usamos e amámos. Envelhecemos com os objectos, eles desgastam-se connosco e deixam a marca da nossa passagem muito tempo depois da nossa memória no servidor ser apagada. Os objectos com que nos rodeamos marcam muito mais aquilo que somos do que os objectos que fomos adquirindo em disco. Todos nós já sofremos perdas por upgrades, deterioração, falhas de backups ou mudamos de serviços de armazém electrónico. Habitualmente mais de metade desses objectos estavam obsoletos e quando precisava de um objecto antigo que pudesse materializar, era mais fácil procurar um novo e comprar o último modelo, compatível com os interfaces de reprodução.

Mas aqueles objectos antigos, aqueles que guardas e te rodeiam, que envelhecem contigo. Aqueles objectos dos quais nunca abdicaste. Esses são os objectos que marcam a tua personalidade, a tua vida, e explicam ao vazio quem tu és.

Catalogar, arrumar, proteger, embalar, transportar a tua vida material contigo, esse é o verdadeiro desafio de quem viaja. Marte é só um destino como outro qualquer.

1 comentário:

  1. Gostei! tens toda a razao o k custa em viajar é o levar tudo connosco seijam elas na memoria ou na mala! o destino e sempre o mesmo "a proxima paragem "

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